SILVA, Jairo José da. Filosofias da matemática. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
O conhecimento matemático apresenta de fato peculiaridades desconcertantes para qualquer epistemologia. Para filósofos de orientação empirista, por exemplo, – para os quais não há conhecimento sem o concurso dos sentidos – a matemática coloca um problema sério. Afinal, ela é (ou pelo menos parece ser) o exemplo por excelência de um conhecimento a priori, isto é, independente dos sentidos, puramente intelectual. Já filósofos racionalistas, que admitem uma faculdade intelectual (que podemos chamar simplesmente de razão ou entendimento) que nos torna capazes de conhecimento a priori, devem explicar como é possível que um conhecimento puramente racional possa oferecer às ciências empíricas uma linguagem e um aparato conceitual ao apropriados, como é o caso da matemática.
Para o idealista (ao menos em uma das suas variantes, a transcendental) o conhecimento define-se pela acomodação dos dados sensoriais em moldes racionais a priori (que não apenas independem dos sentidos, mas sem os quais a própria experiência sensorial como a conhecemos seria impossível). Esse ponto de vista, mais ou menos a meio caminho entre o empirismo e o racionalismo, parece apto a acomodar tanto a natureza a priori do conhecimento matemático, que seria então nada mais que o conhecimento racional de algumas das formas que o pensamento impõe à experiência (as formas matemáticas precisamente), quanto a aplicabilidade da matemática ao mundo empírico. Mas o idealista enreda-se em outros problemas igualmente embaraçosos. Se as formas a priori da experiência não são, a rigor, aspectos intrínsecos da experiência (mas a ela impostos por nós), então a matemática é apenas uma espécie de autoconhecimento, o que contraria nossa impressão de que ela trata de entidades objetivas, que “estão aí” independentemente de nós.
Seja como for, o fato é que a matemática aparece-nos como um corpo altamente desenvolvido de conhecimento puramente racional – portanto independente da experiência – sobre entidades abstratas apenas pensáveis, e de modo nenhum perceptíveis por meio dos sentidos, que não obstante são capazes de oferecer meios para organizarmos os dados dos sentidos e estruturarmos nossa experiência do mundo a ponto de podermos prever experiências futuras. Em que medida esse modo de ver é justificável? Que sentido de existência têm os objetos da matemática, se existem de fato objetos matemáticos propriamente ditos? Qual é a natureza da verdade matemática? Como é possível que a matemática tenha algo a dizer sobre o mundo empírico? A filosofia da matemática é a tentativa de responder a essas e a outras questões correlatas.
domingo, 18 de maio de 2008
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